domingo, 8 de agosto de 2010

“A Pobreza ganha Formas”

  Nascida numa cidade grande com proporções de metrópole, Maria do Carmo da Silva Xavier, logo sentiu na pele o que era ser pobre. Cresceu e viveu boa parte da sua vida no bairro do Periperi, periferia de Salvador-BA. Sua infância foi como a da maioria das crianças pobres de uma cidade grande: pés no chão de terra batida, brincando em meio a esgotos que rasgavam as vielas de ponta a ponta. Estudou em escola pública, porque seus pais não tinham condições de pagar um estudo de qualidade para que um dia, essa garotinha, filha única, pudesse seguir uma carreira acadêmica e ter um futuro digno. Sua mãe, Dona Jacira da Silva, sempre lhe deu apoio com os estudos. Era um gás para aquela garotinha, negra, magra e desprovida de amor paterno, pois seu pai saiu de casa quando ela era pequena. Mas a falta de um pai no começo de sua vida não abalou sua criação. Dona Jacira era mais que uma mãe para aquela garotinha, era um anjo. Tudo que Maria do Carmo “precisava”, sua mãe tentava arduamente lhe conceder. Amor de pai e mãe juntos em apenas uma pessoa de coração bom e com vontade de viver.
  Dona Jacira, por sua vez, dona de casa, lavadeira de roupas nunca deixou faltar nada para aquela garotinha. Sempre esteve disposta a enfrentar tudo para ver sua filha bem. Eram horas fora de casa, lavando trouxas e mais trouxas de roupas, fazendo faxina em casas alheias para pôr dentro de sua modesta casa o pão de cada dia.
  Com o passar dos anos aquela garotinha cresceu e foi adquirindo conhecimento através dos estudos incentivados por sua mãe. Ela era tão inteligente que começou a dar aulas de reforço aos colegas e em pouco tempo já tirava uns trocados como professora particular. Trocados esses que ajudavam a pagar contas em casa, mas nem sempre custeavam tudo, pois nem todos os alunos tinham condições de pagar pelas aulas, ou até mesmo davam calote, na pobre jovem. A dificuldade era tanta que elas, mãe e filha, chegaram a passar fome, sem ter nada para comer, pois nem sempre sua mãe conseguia bicos como lavadeira e nem ela recebia por suas aulas. Amigos e visinhos eram seus anjos em dias ou noites sem comida, mas o orgulho tomava forma em seu ser. Mesmo sabendo que precisava, ainda “negava” as ajudas vindas de pessoas que sabiam da situação daquela família de mãe e filha. Essas ajudas vinham de maneiras sutis e assim Maria as aceitava com um sorriso amarelo que desabrochava em meio a suas bochechas magricelas que muitas vezes em prantos refletiam a sua vida sofrida.
  Eis que chega a maioridade e aquela jovem, que era uma aluna aplicada, professora de reforço nas horas vagas para ajudar no orçamento de casa, decide ingressar na universidade. Dar continuidade aos estudos. Só que desta vez, para destrinchar uma profissão, um futuro. Ser uma Designer Gráfica.
  Por que Designer? Uma palavra tão difícil e estranha para uma pessoa humilde e com poucos conhecimentos em língua inglesa. Mas era a profissão que ela havia se identificado, porque além de gostar de dar formas as coisas, “lapidar” como ela mesma se lapidou, apesar de poucas oportunidades, era a profissão do momento e que trilhava um futuro promissor.
  Pronto! Estava tudo decidido, agora era apenas fazer a matrícula do vestibular, que foi paga com o mísero salário de professora de reforço.
  Estudou, se aplicou mais e mais aos estudos, mas infelizmente não deu para ela entrar na UFBA, Universidade Federal da Bahia. Mas ela não desistiu e seguiu em frente. Estudou mais e decidiu fazer vestibular em uma universidade particular, a Universidade Católica da Bahia. Uma das Universidades de respaldo em termos de ensino superior no estado.
  Foi uma felicidade imensa. Era tudo que almejava. Ser universitária e num futuro bem próximo ter um diploma de nível superior.
  Mas aí vem uma pergunta: como uma jovem oriunda da periferia de Salvador, que passava por necessidades iria conseguir pagar uma instituição que tinha mensalidades caras?
  Sua vontade era tão grande de cursar uma universidade que ela não desistiu e arriscou tudo. Mas de onde iria sair o dinheiro para pagar a universidade?
  Então, ela foi atrás do pai, aquele que deixou a casa quando ela ainda era pequena. Pai que nunca deu assistência. Mesmo com um sentimento de rancor por tudo que ele não havia feito antes. Ela imaginava que ele pudesse ajudar desta vez, já que era um sonho que estava por se realizar. Maria do Carmo entrou em contato com seu pai, explicou a situação, mas infelizmente ele continuava aquele homem que não estava nem aí para ela e retrucou com palavras ofensivas: “Eu não vou pagar, porque pobre não faz faculdade! Onde já se viu?! Pobre não faz faculdade!”. Aquelas palavras tiveram um peso no coração daquela jovem. De fato ela não poderia contar com a ajuda do seu próprio pai para uma coisa que era muito importante para ela.
  Com toda a raiva que brotava de seu coração, tomou aquilo como mais um incentivo para lutar e conseguir “vencer” mais uma vez. Amigos deram apoio e juntaram dinheiro para que ela pudesse pagar a matrícula da faculdade e assim ela o fez.
  Desde a escola já havia despertado para outro dom que não dava muita importância, mas que acalentava o seu coração e a deixava bem. Era a música. E com o passar do tempo, meio que despretensiosa foi sendo envolvida nesse universo, mas sem tirar o foco de suas metas. Foi então que a música se tornou uma fonte importante de prazer e renda.
  A música tomou conta dela. Fazia shows em barzinhos, participava de festivais, tentava estar sempre cantando e participando de eventos que pudessem trazer alguma grana, mesmo que fosse pouco, mas já ajudava. Só que como tudo na vida dessa moça era difícil, mesmo tendo uma voz belíssima e afinada as portas nem sempre estavam abertas para ela. Esbarrou em uma das barreiras do mundo artístico, a beleza. A pobre menina não estava dentro dos padrões aceitáveis que a estética pedia para esse meio.
  Com isso o dinheiro faltava, sua mãe não podia mais trabalhar como antes, por causa da idade, e as dificuldades foram apertando ainda mais. Era uma impotência, nada se podia fazer e com isso não conseguia pagar mais a faculdade. Foi aí que ela temerosa de não poder de fato cursar mais a faculdade tentou conversar mais uma vez com seu pai. Mas deu de “cara na porta” e ouviu as mesmas palavras que antes ele havia dito a pobre moça.
  Estava sem saída, já havia pensado em tudo e nada tinha sucesso. Ela então agiu com uma atitude que poucos teriam. Entrou na justiça contra o próprio pai, para que ele a ajudasse a pagar a faculdade. Na primeira instância ela ganhou a causa, mas o seu “progenitor” recorreu e o juiz deu ganho de causa para o próprio.
  Tudo estava indo de mal a pior, mas ela não desistiu. Ergueu a cabeça e seguiu em frente. Fazia bicos como cantora, entrou em estágios e com toda a dificuldade da vida o tão esperado dia chegou. Aquela pobre garotinha, estudiosa, dedicada, talentosa e guerreira, hoje mulher, se formou e realizou o seu maior sonho, ser uma Designer.
  No dia da colação de grau, após receber o tão sonhado diploma ela fez questão de enviar um telegrama para o pai dizendo orgulhosa e firme: “A POBRE SE FORMOU!”
  Depois de tudo que passou, ouviu e sofreu hoje, ela tem uma vida normal, trabalha ganha bem e tem orgulho do seu passado, mesmo sendo ele muito doloroso e árduo. Porque todas as dificuldades que teve, e que não foram poucas, ela conseguiu se manter firme. Descobriu que existia uma força dentro de si que jamais teria descoberto se não tivesse passado por tudo o que passou. Força de vontade, vontade de viver, de vencer, de ser gente digna... Ela conseguiu, deu “Forma a Pobreza”, mostrou que para vencer tem que se ter fé, garra e força de vontade para seguir em frente e nunca desistir dos sonhos. Porque quando se deixa de sonhar jamais saberemos como é gostoso o sabor da vida, mesmo que sejam utopias, sonhos se realizam como o desta moça que sofreu muito e venceu dando “formas” a uma “pedra bruta” chamada Pobreza.

Esta história de vida é baseada em fatos reais.

Athos Muniz.

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